antes do sol

5 horas da manhã. E a menina concluiu assustada que pela primeira vez perdera o sono antes do meio dia. Enrolou no cobertor, e andava se arrastando até a sala. Era só uma criança gripada. Ligou a TV, mas nada… nada mesmo, quanto mais canais menos opções. Olhou pro computador e pensou: "ah não! você não!!!".
Acendeu a luz. Era o quarto do irmão, que dormia feito uma pedra. Pegou dele a blusa de moletom mais gostosa, e se vestiu. Pegou a chave depois saiu. Pensava no que sentia. No que queria, na covardia e na coragem. E ao mesmo tempo não pensava. Com toda paradoxidade que lhe era cabível.

Quando deu-se conta, era a única cliente do posto de gasolina, perto de casa.
– Um café, por favor. Não… um capuccino! e sorriu para o atendente calado e não mais invisível.

Sentiu o copo quente entre os dedos, e respirou com os olhos fechados o vapor, que tinha cheiro de canela.
Sentou-se sozinha na mesa, e foliou o jornal de ontem que alguém esquecera sobre a mesa.

Enquanto lia a parte de economia sua cabeça ia longe, muito além do pib e dos juros. Pensava em como a vida sacode, embaraça, e se aquieta, pra embaraçar de novo. Nos rumos que a gente segue. os que esquece. e o que teria sido. "Ai e se…" passado, futuro, presente. tempo, espaço, capuccino, canela, taxa base, frio, garganta, horas.

Largou o jornal. Às vezes era melhor não pensar.
Sentou na escada que dava para a lanchonete do posto. E viu o sol nascer, pra morrer, e nascer, e morrer, e nascer…

pulsa.

Esqueci a cor dos analgésicos. esqueci dos discos, livros, letras, infâmias e baralhos. Mas ainda pulsa, e pulsa. Feito o que é vida.

Um telefonema. sem hora. fora da hora. na hora.
Aniversário, velas, palmas, luzes, cerveja, olhos, braços, abraços, mentiras, sinceras, palmas, luzes, restos, retalhos, rasgos, confetes, pó.
a voz, que não sabe muito da vida, e sabe tudo. só voz. antes de apagar as velas.
poucas velas. todas elas. todos anos. muitos ciclos. aonde termina é aonde começa.

A garganta dói, o chá esfria, e perfuma, e lembra, da dor, da garganta, do início, do fim. Meio nunca fui. Nunca sou. ainda pulsa. e pulsa.
enquanto houver vida, e chá, e velas. e ciclos.

feito algodão doce

música doce! feito algodão doce. uma hora. duas. três. quatro. chá pra curar a tosse. tossir! cuspir! morrer! há menos de 24 horas atrás. e ainda são minhas as únicas pegadas. os únicos batimentos. repetidos. repetidos. até virar verdade. era o relógio. e o coração. uma sintonia. aonde começa o coração. quando termina o tempo? nunca se sabe até que horas os relógios funcionarão. enquanto pulsar. enquanto for um terço meu. corre! antes que o sol se lembre que é dia. pelo corredor. vem. a luz automática acende feito um holofote pra gente passar. você me rodar. e correr. pra luz nunca apagar. nunca parar. de bater. e bater. eu nasci. e morri. só pra te ver sorrir.

insônia

O amigo precisa de mim… eu sei que precisa. de um café. dois. três. já se foi. talvez prefira ficar sozinho. talvez eu o esqueci. ai! minha consciência!!!! ai… o trabalho! não. não. não. o trabalho não.

não sou contra o vento. não adianta. não é luxo, não é frescura. mas não consigo fazer o que eu não quero. não dá. hoje não! não penso. não esqueço. ai minha consciência. ai!

não dá. não mais. pra ajudar o amigo,  preciso estar bem. pra estar bem. preciso ir com o vento. e o vento é do outro lado. não sei. não dormi. nem acordei. não sei. se sou covarde. ou corajosa de mais. só sei, que cansei.

à lápis

Acordei antes das 6. Sem muito esforço, cheia de cabelos no rosto. Eram cachos perfeitos. Secaram enquanto eu não me movia e as vezes dormia. Prendi os cabelos sem esmero, de súbito veio um vento frio no pescoço, tão frio que me fez tremer. E foi bom sentir alguma coisa depois de esquecer… e escovar os dentes.

Tomei café frio, provavelmente sem doce também. Mas estava longe de mais pra perceber.

Embora não sentisse meus pés, e me distanciasse de mim rapidamente, não perdi o ônibus.
Tomei café na faculdade. Estava quente, e sem que eu precisasse pedir, doce. Já haviam decorado meu gosto. Como quem decora a rotina ou a rota.

Indo pra sala, trombei com o encarregado do audiovisual, Tobias, apressado, não me viu. Atrasado, concluí. E eu embora andasse de vagar, também.

Grosseiramente, não correspondi ao sorriso do professor de economia. Feliz em rever sua aluna preferida, irresponsável e cínica. Hoje não era preciso que ele abonasse minhas faltas, nem os anos.

Enquanto ele fala muito, eu entendo pouco. escrevo à lápis essas poucas linhas tortas. Tão tortas como a minha vida. Que nem sempre é escrita à lápis.

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(escrito na manhã de segunda-feira, 08 de maio de 2006)

a janela

A janela é tão grande. e eu sou quase invisível depois das três. As luzes me fazem bem. Elas não sabem da vida. E quando se embaçam na minha miopia, quase choro. Eu sei de cor… todas elas, e ainda me comovem.

Poderia ficar ali para sempre.
talvez não seja só uma janela….

Hoje eu queria ser uma canção. Bem leve.. dessas que o vento leva pra quem se alegra com as coisas simples. Uma música tocada na gaita de uma criança na garupa do pai sem sapatos… feliz! a caminho de casa, pela estrada de terra. Ou o canto de uma distinta senhora a lavar as roupas na pedra à beira do rio.
Hoje eu queria esquecer de mim, esquecer de esquecer.
 
Quero que as luzes da minha cidade se apaguem, quero que a lua ilumine o que o sol escondeu. E que o dono do melhor abraço do mundo, mande toda energia dele pra mim. Porque eu ando tão confusa que já perdi a conta do juízo, das faltas e das infâmias… largadas pelos botecos de esquina, sem pretensão de serem entendidas, tampouco decifradas.

E se um dia, eu perder junto com a noção das horas, o escrúpulo. Que me enterrem. porque eu deixei de existir.
A janela, não mente. Porque ela é muda.

para o inferno!

Me esqueci do tempo, do juízo. Das letras que viram rabiscos sem se importar com o nexo e a loucura. Não foi pretexto, nem sede. Mas fiquei deitada no chão… enquanto esfriava o café sobre o livro, bagunçado pelo vento e pelo desleixo. Era o café tão forte e frio quanto meus pés. E todo o resto… que me fez compania enquanto chovia e me esquecia. de mim e da música.

Depois da chuva, quem sabe a cor dos guarda-chuvas? e o caminho de volta. As cores sabem… que ninguém vai contar estrelas, depois da chuva! Sabem mais.. bem além do arco-íres.

apaguei a luz para me clarear. aumentei a música, mas um silêncio desgraçado ainda gritava. entendi pra esquecer… no fim, enfim. é assim…

que vão para o inferno! todas as coisas inversamente proporcionais!

que o café vá para o inferno!
e eu também.